“Você culpa seus pais por tudo, isso é um absurdo… [porque eles] são crianças como você”, já dizia Renato Russo na canção “Pais e Filhos”, de 1989. E embora tenha acertado no teor da crítica (é realmente um absurdo imputar aos pais todos os erros e frustrações que os filhos cometem e experimentam), no entanto, de uma perspectiva bíblica, quando pais erram no proceder para com seus filhos não é porque são crianças como eles, mas sim porque são tão pecadores quanto eles.
Assim, é comum os filhos crescerem expostos aos erros e pecados de seus pais bem como às consequências que eles causam. E muitas vezes, nessa sinuosa relação, há ao menos duas percepções falsas, mas comuns: 1) filhos que creem possuir marcas incuráveis por causa das tristes experiências que vivenciaram no relacionamento com seus pais e; 2) filhos que se sentem confusos quanto à paternidade divina justamente por experimentarem de uma paternidade terrena que foi falha e nociva. Vejamos, abaixo, como um cristão pode lidar com essas duas questões sob a ótica das Escrituras.
- As marcas de Cristo além das marcas da criação. É verdade que em um mundo de pecadores muitas marcas ruins são impressas pelos pais nos filhos (o oposto também é verdadeiro). Isso vai desde ausência até abusos físicos e verbais. Porém, aqueles que estão em Cristo foram libertos para não mais viver sob o domínio escravizador dessas lembranças. O amor e o perdão de Deus, expressos por meio da vida e obra de Cristo, tornam o cristão livre para perdoar e amar aos que lhe fizeram mal. Como escreveu Sarah Walton: “Se você está em Cristo, suas cicatrizes não têm a última palavra sobre sua vida; as cicatrizes dele têm”, e são elas que tornam o cristão habilitado para não mais viver escravizado às marcas de sua criação, por piores que elas sejam.
- A imagem do Pai celestial além da imagem dos pais terrenos. O título que dá nome a essa pastoral faz referência ao excelente livro do Dr. David Powlison[1]. Nele, Powlison mostra que é um erro acreditar que a percepção que se tem do Pai celestial é determinada pela relação que se tem com o pai terreno. Tal pensamento tem mais a ver com a psicologia moderna do que com a Palavra de Deus. O fato é que nas Escrituras Deus não é somente revelado como Pai, mas também como Rei, Senhor, Mestre e Salvador. Se experiências ruins com chefes, autoridades e outras pessoas que ocupam posições análogas a essas atribuídas a Deus não determinam a percepção que se tem dele, por que apenas a paternidade nociva o faria? Deus é o Pai por excelência e nenhuma experiência terrena ruim tem poder para macular isso.
Enfim, todo ser humano é expert em justificar seus pecados com os pecados dos outros; em esconder seus erros atrás dos erros alheios, especialmente, os dos seus pais. Porém, a graça de Cristo é poderosa para transformar filhos amargurados e medrosos – que vivem em autocomiseração por causa dos erros e pecados de seus pais – em pessoas livres para amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmos, inclusive seus próprios pais, a despeito de seus erros.
Eron Franciulli Coutinho Jr
[1]POWLISON, David. A Vida Além do Erro do seus Pais: o poder transformador do amor de Deus. São José dos Campos, SP: Fiel, 2018.