O Lamento que Agrada a Deus

O Lamento que Agrada a Deus

A situação em que ele se encontrava não era nada boa. Para ser preciso, era trágica. Uma filha estuprada, um filho assassinado e o outro filho à sua caça, querendo matá-lo, intentando tomar-lhe o trono. Em meio a esse pesadelo, ele se dirigiu a Deus, dizendo: “Até quando, SENHOR? Esquecer-te-ás de mim para sempre? Até quando ocultarás de mim o rosto?” (Sl 13.1). Para ele, Deus o ignorava.

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Por causa da escassez de alimentos ela precisou se mudar com sua família para outro país. Em terra estrangeira, seu marido e seus dois filhos morreram. Ainda um pouco desorientada, avaliando sua condição, ela lamentou: “… a mim me amarga o ter o Senhor descarregado contra mim a sua mão” (Rt 1.13). Para ela, Deus a castigava sem motivo.

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O que ele sentia era uma mistura de frustração e raiva. Ele havia sido chamado para um ofício nobre, mas as coisas não estavam saindo como ele esperava, uma vez que havia se tornado motivo de zombaria e chacota por causa da mensagem que pregava. Certa vez, cansado, ele orou a Deus: “Persuadiste-me, ó Senhor, e persuadido fiquei; mais forte foste do que eu e prevaleceste; sirvo de escárnio todo o dia; cada um deles zomba de mim” (Jr 20.7). Para ele, Deus havia o enganado e já não era possível voltar atrás.

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O que Davi, Noemi e Jeremias têm em comum? Não somente o fato de lamentarem suas desfavoráveis condições, mas, sobretudo, o fato de todos eles incluírem Deus em seus lamentos. Descontentes com a vida, não deixaram barato. Soltaram o verbo-flecha e Deus era o alvo.

É, digamos, incomum vermos alguém se queixar de Deus e não ficarmos com aquela impressão de que ele está irado com o queixoso. Afinal, como alguém ousa se queixar de Deus? Bom, os escritores bíblicos ousaram… e como ousaram! Junto a esses três acima podemos incluir Abraão, Moisés, Jonas, entre muitos outros. Todos eles, vez ou outra se queixaram de Deus e de seu modo de agir.

Obviamente, existe uma linha muito tênue entre lamentar e murmurar (o povo no deserto que o diga!), já que em ambos os casos tanto o teor quanto o alvo dos lamentos são idênticos – Deus – sendo diferidos, apenas, pela disposição do coração lamurioso. O primeiro pressupõe dependência, humildade e esperança e, consequentemente, agrada a Deus. O segundo pressupõe autonomia, orgulho e incredulidade e você bem sabe como Deus lida com pessoas assim (Sl 31.23 – 101.5; Is 2.12; Jr 50.32; Dn 5.20, etc). Na verdade, uma das diferenças entre o crente e o incrédulo é que enquanto o primeiro lamenta para Deus, o segundo murmura e blasfema contra Deus!

Portanto, entendendo que lamentar é uma parte genuína da caminhada cristã (a própria Bíblia tem um livro sobre isso: Lamentações), e até mesmo benéfica aos que a praticam corretamente, proponho abaixo dois passos básicos e inseparáveis que distinguirão o lamento que agrada a Deus da lamúria que o afronta. Desse modo, nossos lamentos nos aproximarão de Deus ao invés de nos afastar dele.

  1. Lamento + Súplica. O lamento deve sempre vir acompanhado de súplica. Davi entendeu isso. Após lamentar, ele disse: “Atenta para mim, responde-me, SENHOR, Deus meu!” (Sl 13.3). Apesar de Deus ser o alvo de sua crise ele ainda continuava sendo o Senhor, seu Deus! Em casos assim, a súplica funciona como uma cerca que protege o queixoso de, em meio à dor, tornar-se orgulhoso e buscar autonomia, tentando se livrar daquele que lhe causa, ou no mínimo permite, o sofrimento: Deus.
  1. Lamento + Confiança. O lamento, e a súplica, também precisam estar acompanhados de confiança e submissão a Deus. Veja o que Davi disse após lamentar e suplicar: “No tocante a mim, confio na tua graça; regozije-se o meu coração na tua salvação. Cantarei ao SENHOR, porquanto me tem feito muito bem” (Sl 13.5,6). Ou seja, uma vez posto o lamento e a súplica diante de Deus, não há motivos para não descansar no seu cuidado. Nesse sentido, a confiança funciona como um antidoto contra a incredulidade – que é um dos elementos básicos da murmuração.

Enfim, é possível derramar nossas lágrimas diante de Deus, sendo honestos com nossos sentimentos em relação a ele. Além do mais, ele conhece nossa estrutura e sabe que somos pó. Ele conhece também nossas dúvidas, medos e fraquezas. Contudo, nas Escrituras Sagradas, ele se apresenta a nós como o Pai misericordioso, longânimo e bondoso, que espera seus filhos apresentarem a ele suas queixas e angústias. Então, quando for o caso, com súplica e confiança, lamente. Certamente, Deus se agradará de sua humildade em depender e confiar nele.

Eron Franciulli Coutinho Jr