A coleção de salmos bíblicos conhecida como Cânticos de Romagem (ou Cânticos dos Degraus) é extremamente relevante para o cristão contemporâneo, pois a sua mensagem se dirige aos peregrinos nesse mundo. Essa coleção inicia no Salmo 120 e vai até o 134. Os historiadores e comentaristas bíblicos defendem que esses cânticos eram usados nas ocasiões em que os israelitas subiam para Jerusalém, para adorarem a Deus nas celebrações anuais no Templo. Como a Bíblia identifica o crente em Cristo como um “peregrino” na terra (1Pe 2.11) é possível ler esses salmos, imaginar aquelas celebrações antigas e, também, aplicar suas lições à nossa peregrinação diária.
Dentre os salmos daquela coleção, o de número 123 chama a atenção por um detalhe especial: nele o salmista registra não somente a angústia do povo de Deus, mas também sua maneira de lidar com o que estava acontecendo. A fim de compreendermos isso melhor é necessário ler o Salmo e, para facilitar, irei transcrevê-lo abaixo, realçando o sofrimento do salmista:
1 A ti, que habitas nos céus, elevo os olhos!
2 Como os olhos dos servos estão fitos nas mãos dos seus senhores, e os olhos da serva, na mão de sua senhora, assim os nossos olhos estão fitos no SENHOR, nosso Deus, até que se compadeça de nós.
3 Tem misericórdia de nós, SENHOR, tem misericórdia; pois estamos sobremodo fartos de desprezo.
4 A nossa alma está saturada do escárnio dos que estão à sua vontade e do desprezo dos soberbos.
Pelo Salmo percebemos que aqueles crentes possuíam razões mais do que suficientes para estarem inquietos: desprezo e escárnio por outras pessoas. Aquela zombaria atingia o povo de Deus até a “alma” e o servo de Deus revela que eles já se encontravam “sobremodo fartos”.
Ninguém gosta de ser zombado! O deboche comunica rejeição e desprezo e inferioriza as pessoas ofendidas. Alguns psicólogos até classificam essa forma de “comunicação perversa” como instrumento de tortura psicológica e um meio de desestabilizar os ofendidos. Portanto, os crentes do Antigo Testamento realmente sofriam pelo tratamento dado a eles por seus vizinhos soberbos e arrogantes.
Em meio à angústia e a dor profunda (a ponto de ter sua alma atingida), o salmista voltou os seus olhos para cima: ele olhou para Deus! No primeiro verso ele afirma: “A ti, que habitas nos céus, elevo os meus olhos!” É necessário observar que ele não apenas contemplou rapidamente, mas fixou seus olhos em Deus como expressão de dependência. No próximo verso ele diz: “como os olhos dos servos estão fitos nas mãos dos seus senhores, e os olhos da serva, na mão de sua senhora, assim os nossos olhos estão fitos no Senhor, nosso Deus”. O salmista era totalmente dependente de Deus!
Em nossa caminhada cristã nós também enfrentamos problemas e dificuldades acima de nossas forças e que nos perturbam a alma. O problema é que nem sempre olhamos para cima. De fato, algumas vezes olhamos somente para os lados. Fazemos isso quando buscamos socorro em outras pessoas, esperando que alguma atitude delas nos livre do abatimento. Também, olhamos para os lados quando aguardamos pela mudança das circunstâncias, desejando que “novos ventos” soprem sobre nós. E cometemos o mesmo erro quando recorremos somente aos medicamentos, recursos materiais e outras coisas tantas. Em sua angústia, o salmista olhou para cima e fixou os seus olhos em Deus, esperando pela intervenção divina.
Mas é possível que ao invés de olharmos para cima, olhamos somente para dentro. Nesses casos, internalizamos nossa dor, lamentamos nossa sorte e aumentamos nossa miséria. Não encontramos alívio dentro de nós e quando gastamos mais tempo lamentando nossa sorte do que buscando o Senhor, apenas prolongamos nossa angústia. Mais uma vez é instrutivo observar que o salmista olhou para cima: para Deus.
Por último, há a possibilidade de ao invés de olharmos para cima, olhemos somente para baixo. Quando isso ocorre passamos a viver de maneira cabisbaixa, não vendo nenhum colorido ao nosso redor e nenhuma esperança acima de nós. O mundo animal é ilustrativo nesse sentido, pois se comparamos as aves que vivem olhando para baixo (como a galinha, por exemplo), percebemos que elas só encontram lixo. Todavia, as aves que olham para cima e contemplam o horizonte, voam com vigor (como a águia, por exemplo).Dessa maneira, em meio a suas angústias, sofrimentos e dor, eleve os seus olhos para Deus. Olhe para cima e espere a intervenção do Senhor.