Pr. Valdeci Santos
Batalha espiritual não é algo que acontece apenas “fora de nós”, mas que ocorre também na esfera interna. Muitas vezes até identificamos as investidas externas do inimigo – por meio do mundo, circunstâncias e até pessoas – para enfraquecer nossa fé e nos fazer desanimar na vida cristã. Porém, dificilmente reconhecemos os erros de nosso coração – a vitimização, os desejos desordenados, o excessivo amor-próprio e outras coisas – como fontes de nossa batalha. É verdade que agentes externos podem ser especialmente desafiadores, mas a esfera mais ferrenha da batalha espiritual ocorre dentro de nós, ou seja, o nosso coração.
Em sua epístola, Tiago afirma que a fonte de “guerras e contendas” na vida cristã se encontra nos prazeres e desejos desordenados da carne (Tiago 4.1-3). Ao fazer isso, ele ecoa as palavras de Jesus quando afirmou: “do coração procedem os maus desígnios” (Mateus 15.19). Assim, se compreendermos a necessidade de batalharmos contra nosso inimigo interno (as inclinações de nossa carne), dedicaremos mais esforços em prol da santificação íntima do que tentando encontrar justificativas para nossas falhas e erros em outras pessoas ou circunstâncias.
Isso certamente contribuiria para mais harmonia em nossos relacionamentos domésticos e eclesiásticos, com nossos irmãos em Cristo. A Bíblia nos conclama à uma vida de paz uns com os outros, mas muitos conflitos são gerados quando obedecemos às inclinações de nosso coração.
Na conversão, o crente passa a experimentar os resultados da ação sobrenatural do Espírito Santo em sua vida. Ele passa a fazer com deleite coisas que antes ele não fazia e não tinha nenhuma alegria em realizar. Ele deixa de participar de atividades mundanas, se afasta das más influências e evita aquilo que atrapalha o seu progresso espiritual.
Por outro lado, o crente passa a experimentar novos desejos, andar no Espírito (Gálatas 5.16 e Efésios 4.1), ser liderado pelo Espírito (Gálatas 5.18), ter prazer na leitura bíblica, na oração e nos momentos de comunhão fraternal, no culto público e em outras atividades da igreja. Ainda assim, ele experimenta uma verdadeira guerra em seu interior. Isso porque as paixões da carne militam contra a ação do Espírito em seu coração (Gálatas 5.17). Esse aspecto interior da batalha espiritual é, talvez, a mais intensa e terrível na caminhada cristã.
Paulo ensina que o caminho para a vitória contra a o inimigo interno exige uma renovação de mente, a maneira de pensar e considerar todos os aspectos da vida. As funções cognitivas do nosso coração precisam ser renovadas pela compreensão da Palavra e da vontade de Deus a ponto de não nos conformarmos com esse século, mas sermos transformados pela renovação de nossa mente, pois, somente assim, experimentaremos a boa e perfeita vontade de Deus (Romanos 12.1-2).
O caminho para a renovação de nossa mente inclui: (1) Focalizar nossos pensamentos naquilo que é digno, puro e eterno (Filipenses 4.8, Colossenses 3.2 e Romanos 8.5-8); (2) Despojar nossa vida dos procedimentos de nossa “antiga natureza”, aqueles que ofendem e desagradam a Deus, e nos revestimos do “novo homem” criado à imagem de Cristo (Efésios 4.20-32); (3) usufruir dos meios de graça estabelecidos pelo Evangelho, ou seja, a leitura, meditação e atenção à Palavra (escrita ou pregada), a participação correta nos sacramentos ordenados por Cristo e a prática contínua da oração. Também é importante participar de outras atividades que nos ajudam no progresso da alma, como a comunhão fraternal e a adoração.
Há uma esfera da batalha espiritual que é interna e, por isso, o Bondoso Pai nos selou com o Santo Espírito para nos fazer mais do que vencedores. Ainda assim, o Espírito nos convida a participar ativamente dessa batalha, fazendo uso dos meios e instrumentos estabelecidos para a vitória contra os desejos desordenados de nossa carne.
A grande questão é se estamos levando nossos pensamentos cativos à Cristo, avaliando nosso coração à luz de sua Palavra e nos submetendo ao que Ele ordenou. Se assim não fizermos, continuaremos a ser derrotados nessa esfera interior, ainda que exteriormente aparentemos a falsa imagem de vitoriosos. O melhor que conseguimos nesses casos é viver como Naamã antes de sua transformação: herói de guerra aos olhos de outros, mas um leproso em sua vida interna (2Reis 5). Que isso não aconteça conosco!