Pr. Flávio Américo
Uma das passagens que mostram a rica diversidade narrativa dos Evangelhos é o Batismo de Jesus (Mt 3.13-17; Mc 1.9-11; Lc 3.21-22; e Jo 1.32-34). João só menciona por cima o evento. Lucas é o único que menciona que o Senhor estava orando quando do seu batismo. Somente Mateus nos conta da conversa entre João Batista e o Salvador quanto à necessidade de Cristo passar pelo Batismo para “cumprir toda a justiça” (Mt 3.15). E Marcos, o que é específico desse Evangelho?
Marcos é o único que usa o verbo “rasgar” (σχίζω/schizō) para descrever o que Mateus e Lucas descreveram como o “abrir” (ἀνοίγω/anoigō) do Céu. Marcos usa um verbo bem mais forte, mais enfático, para chamar nossa atenção para o fato de que Jesus, mesmo vivendo na História, tem pleno acesso ao Eterno.
O uso de “rasgar” também mostra Deus cumprindo Isaías 64.1: “Oh! Se fendesses os céus e descesses!”. Deus desceu! Ele se encarnou! A Segunda Pessoa da Trindade viveu entre nós cheio do Espírito Santo, a Terceira Pessoa da Trindade. Jesus, Deus conosco, Emanuel, veio salvar o seu povo, como mostra a linda passagem trinitária (aparecem e atuam as três pessoas da Trindade Santíssima) do Batismo de Jesus.
Todavia, há outra lição muito importante no uso que o evangelista Marcos faz de “rasgou”. O verbo “rasgar”, um verbo incomum no Novo Testamento, só aparece duas vezes no Evangelho de Marcos. A primeira é no Batismo de Jesus, sobre o qual acabamos de falar. A segunda e última vez em que o verbo “rasgar” aparece é na morte de Jesus: “Mas Jesus, dando um grande brado, expirou. E o véu do santuário rasgou-se em duas partes, de alto a baixo”. (Mc 15.37-38).
Que véu era esse? Entendo que era o que separava o Lugar Santo (onde apenas sacerdotes entravam) e o Santo dos Santos, onde o Sumo-Sacerdote, uma vez por ano, entrava para pedir perdão pelos pecados de Israel. O Santo dos Santos também era entendido como o lugar do Trono de Deus na terra, o lugar mais santo do nosso planeta.
Assim, quando o Céu foi rasgado no Batismo, a presença de Deus escancarou-se para Cristo. Da mesma forma, o véu ter sido rasgado significa que a presença de Deus também foi amplamente aberta para nós. Agora, com a morte de Jesus e o consequente rasgar do véu do Templo de Jerusalém, nós passamos a ter um novo e melhor acesso à presença de Deus (Hb 10.19-22).
Jesus, Sumo Sacerdote perfeito e segundo a Ordem de Melquisedeque (Sl 110.4 e Hb 5.6 e Hb 6.20-7.17), ofereceu o sacrifício de uma vez por todas, rasgou o véu do Templo e nos deu um novo e constante acesso à santa presença de Deus por meio de seu sacrifício (“o véu, isto é, pela sua carne”, Hb 10.20).
Todo crente, portanto, tem acesso direto a Deus por meio de Cristo. Quando o véu foi rasgado, aconteceu com a gente o mesmo que acontecera com Jesus quando do Batismo dEle: o Céu se abriu para nós, agora também somos cheios do Espírito Santo e somos os filhos amados e as filhas amadas de Deus, em quem Nosso Pai tem muita alegria.